Caso: O desaparecimento de Joana Cipriano

Hoje vamos falar do que eu já vos vinha a prometer à bastante tempo, do caso do desaparecimento de Joana Cipriano em 2004. Como vos tinha partilhado no instagram, eu fiz um trabalho para uma disciplina de mestrado sobre este caso e tentei aprofundar o máximo possível toda a investigação e os contornos em volta deste caso e vou contar-vos tudo aquilo que absorvi sobre ele e vou também tecer algumas criticas sobre o desenrolar da investigação e do próprio tribunal. 

Fazendo um breve resumo sobre o que aconteceu, Joana Cipriano era uma criança de 8 anos, que desapareceu no dia 12 de setembro de 2004, em que os suspeitos do seu desaparecimento eram a mãe Leonor Cipriano e o tio materno João Cipriano, do qual resultou a condenação destes dois pelo alegado homicídio da criança. 

Passando à pesquisa que fiz sobre o caso:
Segundo o acórdão do STJ, ficou como facto provado que na noite do desaparecimento de Joana, a mesma tinha ido à Padaria ali da zona, a pedido da mãe, comprar leite e atum, ao que quando a menor chegou a casa viu o tio e a mãe a terem relações intimas, o que gerou a atitude de Leonor e João desferirem pancadas seguidas na cabeça e corpo da criança até provocar a sua morte, à porta da entrada da casa. 

Convictos do que tinham feito, ambos embrulharam o corpo num lençol e guardaram-no num quarto, pois estariam a aguardar a visita do pai biológico de Joana, entretanto João Cipriano foi ter à Padaria onde tinha estado Joana para se encontrar com o pai biológico da menina, sem aparentar sinais de desespero, remorsos ou preocupação por saber foi co-autor da morte da sobrinha. 

Entretanto, nessa noite, alegam o desaparecimento da menor e começam a procurar pela vizinhança, estabelecimentos e ruas o paradeiro de Joana, sem sucesso. Decidem avançar com a queixa na PJ de Portimão, contudo a investigação só se iniciou 9 dias depois. 

Posto isto, a 21 de setembro de 2004, a Polícia Judiciária interrogou Leonor Cipriano, suspeitando que a menina tinha sido assassinada por ela e pelo tio. O corpo nunca apareceu e o crime acabou por ser confessado pela mãe. Segundo a confissão, Joana não quis devolver pequenas quantias de dinheiro à mãe, que acabou por matá-la juntamente com o tio. 
Em janeiro de 2005, Leonor Cipriano revela que os agentes da PJ a agrediram, em Outubro, para que confessasse ter morto a filha. Os agentes garantem que Leonor se tentou suicidar, justificando os ferimentos que apresentava.

O Tribunal de Faro, numa sentença muito aguardada a 28 de outubro de 2008, deu como provado que Leonor Cipriano foi torturada nas instalações da Polícia Judiciária de Portimão. A absolvição destes agentes fica a dever-se apenas a um facto: o Tribunal não conseguir provar quem participou nas agressões. No entanto, dois inspetores da Polícia Judiciária, Gonçalo Amaral e António Cardoso, foram condenados a penas de um ano e seis meses e dois anos e três meses, respectivamente, suspensas na sua execução. 
Gonçalo Amaral, ex-coordenador do Departamento de Investigação Criminal de Portimão, foi condenado como autor de um crime de falsidade de depoimento, e António Cardoso, como autor de um crime de falsificação de documento.

Em prisão preventiva, a mãe e o tio de Joana Cipriano são acusados pelo Ministério Público a 3 de maio de 2005. Sobre eles recaem os crimes de homicídio qualificado, profanação e ocultação de cadáver. O julgamento começa a 12 de outubro desse ano, treze meses depois do desaparecimento da menina, a mãe e o tio foram condenados, em Novembro, a 20 e a 19 anos de prisão, respetivamente. Após o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, a pena foi reduzida para 16 anos. Entretanto, a mãe e o tio confessaram a familiares ter vendido a criança para um casal no estrangeiro e que apenas confessaram tê-la morto por medo da polícia.

Quanto aos elementos do inquérito, foram várias as testemunhas que se apresentaram ao juiz para dizerem tudo o que sabiam sobre a Joana e os suspeitos do seu desaparecimento, sendo que se somaram um total de 45 testemunhos (Podem ver, em acórdão, o que foi testemunhado clicando aqui).

Os dois foram condenados em primeira instância, por um coletivo de juízes, pelo homicídio, profanação e ocultação do cadáver de Joana, os advogados recorreram e reclamam absolvição ou, no mínimo, repetição do julgamento devido à nulidade da prova, que já iremos falar a seguir, já o Ministério Público pede o agravamento da pena para 25 anos. 

Recurso de João Cipriano:

João Cipriano recorreu da primeira decisão, colaborou com as autoridades policiais, mas também indicou muitas falsas provas quanto à localização do corpo à PJ. No entanto, o recurso de João não foi motivado em tempo e, portanto, não foi recebido.

 

Recurso de Leonor Cipriano:

Solicitou a absolvição e a declaração da inocência. Estando esta condenada a 20 anos de prisão efetiva, e com o recurso houve uma diminuição da pena para 16 anos de prisão.


Recurso do MP:

O recurso do Ministério Público, que pede um agravamento, para 25 anos, das penas a que foram condenados a mãe e o tio da menina de oito anos, mas não mereceu a validação do pedido quanto ao aumento das penas.

 

Relativamente às provas,  esta parte da investigação é de facto muito interessante, porque até hoje ainda se levantam questões quando à presunção de inocência do condenados. Ora, ficou provado que ambos foram coagidos pela policia a confessar o crime, devido às queixas que Leonor apresentou sobre a violência física que sofreu nos depoimentos à PJ e o tribunal teve em conta essa confissão para os condenar, sabe-se que qualquer meio de prova obtido por meio de coação é tido em conta como nulo, neste caso, foi considerado pelo tribunal de acordo com todos os outros factos provados que alimentam o acórdão, mas se lermos o acórdão os factos provados baseiam-se no historial social de ambos, principalmente no de Leonor que nunca teve antecedentes criminais, com isto quero eu dizer que não se deve fundamentar uma decisão de condenação com base em argumentos como os que estão no acórdão e, passo a citar alguns:

  • “c) o arguido João Cipriano manifesta desprezo pela vida humana - resultado de mau ajustamento social e de frieza afetiva (...)" ; 
  • “d) por acórdão transitado em julgado, e proferido em 10.11.1993, foi o arguido João Cipriano condenado na pena de 4 anos de prisão pela prática, em 2.10.1992, de um crime de homicídio na forma tentada.”; 
  • “e) a arguida Leonor Cipriano manifesta comportamento socialmente desviante ao nível das normas, valores e responsabilidades, instabilidade emocional e dificuldades em expressar a frustração, sendo a sua socialização marcada por relações interpessoais imaturas, superficiais e narcísicas (...)"; 
  • “f) a arguida, que teve seis filhos de cinco relações, ao longo da sua vida tem vindo a mostrar algum desinteresse pelos filhos mais velhos(...)"; 
  • "q) antes da arguida se encontrar a viver com o companheiro Leandro Silva, pretendeu aquela deixar de ter a menor Joana Cipriano a seu cargo, tendo-a deixado, com 5 meses de idade com o pai(...)"; 
  • "r) em setembro de 2003, a arguida deixou a Joana entregue a um casal de pessoas com problemas de alcoolismo e com uma filha acamada com doença infecto­contagiosa, numa casa sem quaisquer condições, durante cerca de 2 ou 3 semanas.; 
  • “s) no primeiro dia de aulas da menor Joana Cipriano na Escola Básica da Figueira, no ano letivo de 2003/2004, a arguida não acompanhou a menor à Escola, tendo esta chegado com uma vizinha, a quem pediu auxílio por não encontrar o caminho.”; 
  • “t) de uma outra vez, a mesma vizinha levou a menor ao hospital, numa ocasião em que era visível a mesma estar doente com muita tosse."

     É importante sabermos os mecanismos e contornos sociais que envolvem estas pessoas, esta família, e de facto sabe-se que Leonor e João vêm de uma família numerosa onde a negligencia e o alcoolismo por parte dos pais lhes deixou marcas e isso foi trespassado para os filhos de Leonor, está também provado que Leonor era uma mãe negligente, não por ter tido filhos de diferentes companheiros mas sim por os ter entregue aos pais, por não cuidar deles e por incutir neles responsabilidades que não são próprias para as idades de uma criança, também porque não acompanhava os filhos nas etapas mais importantes das suas vidas (idas para a escola, idas ao médico, etc). 
Não quero com isto desculpar nada nem ninguém, mas analisando criminológicamente este caso, de facto há aqui muitas gralhas, estes ditos factos provados não provam nada a cerca do que aconteceu com Joana Cipriano e a confissão de ambos de acordo com a lei deveria ter sido ponderada se deveria ter sido tomada em conta ou não tendo em conta as acusações de coação por parte da PJ. 
É certo que numa investigação pericial feita à casa foram encontrados vestígios de sangue da menor e também foram encontrados esses vestígios numa arca frigorífica, ao que indiciou que o corpo teria sido cortado e guardado na arca frigorífica para se desfazerem do corpo posteriormente. Mas mais uma vez, apenas são indícios que os colocam no local do crime, mas não são factos que provem que tivessem sido eles a praticar o crime. 

Com isto, o que quero dizer é que há um principio muito importante que deve ser tido em conta em qualquer tribunal que é o da presunção da inocência 
consagrado no art.º 32.º, n.º 2, da CRP, e significa que "toda a pessoa é considerada inocente até ter sido condenada por sentença transitada em julgado", isto é, da qual já não se pode recorrer, num tribunal criminal.

É um princípio fundamental no direito penal português, pelo que não se esgota no processo propriamente dito, este estende‑se à organização dos tribunais e à execução de penas.

Portanto, o tribunal só pode condenar uma pessoa pela prática de um crime se ficar provado, NÃO DEIXANDO DE SER IMPORTANTE REFERIR QUE, a presunção obriga o juiz a decidir a favor do arguido sempre que, depois de examinadas todas as provas, subsista no seu espírito uma dúvida razoável sobre a verificação dos factos que respeitam à culpabilidade do arguido ou à gravidade da mesma.

Este caso teve sempre, ao longo de todo o processo, a presunção da inocência bem assente e ainda hoje se questionam os entendidos sobre a real culpabilidade dos que foram condenados pelo desaparecimento de Joana Cipriano, daí as duras criticas à investigação, pelo que a decisão do juiz foi apoiada em indícios que foram surgindo ao longo da investigação e confissões levadas a cabo por meio de coação que foram também tidas em conta em tribunal, o que levantou várias vezes em recurso a ideia de que se violou este principio.


Posto isto, e após vários recursos Leonor Cipriano e João Cipriano foram condenados a 16 anos e 8 meses de prisão, no qual Leonor cumpriu 14 anos e saiu em liberdade condicional no dia 17 de fevereiro de 2019 e João após 15 anos de encarceramento saiu em liberdade condicional no dia 11 de março deste ano. Ambos alegam a sua inocência, contudo, Leonor refere que quer encerrar o assunto e viver a sua vida  longe de polémicas, já João indica que vai fazer justiça e que pretende provar a sua inocência. 


Atualmente pouco se sabe sobre ambos, é do conhecimento público que Leonor assumiu uma relação com uma ex-reclusa, com a qual reside desde que saiu do estabelecimento prisional de Odemira. 


É importante também falar-vos um bocadinho sobre o acompanhamento da comunicação social neste caso, isto  porque neste tipo de casos os julgamentos paralelos estão sempre muito presentes e pode até certo ponto influenciar a decisão final de um juiz. Muitos de vós devem recordar-se bem deste caso, ele passou a toda a hora nas TVs, nos jornais, nas revistas, falava-se no café, no supermercado, foi de facto um caso que teve uma cobertura total pelos mass media e ainda hoje, de quando em vez, se vão lendo noticias sobre a alegada inocência dos condenados, sobre os 10 anos do desaparecimento da menor, o acompanhamento de quando sairam em liberdade, entre outras noticias. 

Na minha opinião, sem dúvida que houve aqui um julgamento paralelo, pois foi um caso muito mediático e que causou imensa revolta aos Portugueses. Analisando os artigos que foram escritos pelos media, vê-se que grande parte deles falam do crime como hediondo e cobarde o que trespassa aos leitores a sensação de revolta e faz com que hajam então os tais julgamentos paralelos, por todo o mediatismo em volta do caso, ou seja, a própria comunicação social sempre assumiu que houve um crime cometido por aquelas duas pessoas. 


Mais uma vez, ressalvo que eu não estou a desculpar ninguém a cerca do crime, de facto os indícios apontam para eles e há também uma confissão, contudo é preciso ter em conta que não podemos pensar que por simplesmente terem confessado, com recurso à coação, que o que disseram é verdade, os limites extremos da violência e de toda uma privação de direitos podem levar qualquer pessoa a confessar um crime que não cometeu e temos como grande exemplo disso o famoso caso que deu direito a um filme "Aos olhos da Justiça", e entre outros que se vão tendo conhecimento, por isso a investigação falhou em vários aspetos, o tribunal falhou em vários aspetos e sem dúvida que também houve uma enorme negligencia por parte da família desta criança que é de facto a única que está no centro das atenções disto tudo e é inocente de qualquer atitude que possa ter sido tomada contra ela. 


Bom, eu não me quero alongar muito mais, pois já vamos com uma leitura muito extensa, mas de facto dá que pensar, até que ponto a benevolência e distração da justiça pode condenar um inocente e condicionar essa pessoa para o resto da vida. 


Espero que tenham gostado e fazia imenso gosto que deixassem as vossas opiniões, criticas ou até pormenores que não acrescentei ao post, nos comentários. 



Vou deixar-vos aqui também uma noticia que encontrei num site espanhol sobre este caso, para poderem ter um maior conhecimento sobre o caso (clica na imagem)



Até breve! :) 

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